quarta-feira, 7 de julho de 2010

Motores da História- Paul Virilio

Os motores da história (fragmento)
Entrevista com Paul Virilio

Próteses corporais, sexo cibernético, declínio da realidade dos fatos, anulação dos tempos locais, poluição das distâncias físicas: o filósofo e urbanista Paul Virilio (ex-diretor da École d’Architecture de Paris) discute a amplitude das novas tecnologias e aponta para os riscos totalitários da colônia global multimidiática. (As notas de rodapé estão embutidas no próprio texto). Apud: "Tecnociência e cultura: ensaios sobre o tempo presente" - Hermetes Reis de Araújo (org.) - Estação Liberdade - São Paulo, 1998.

Entrevistador - O título do seu livro, "A arte do motor", soa como uma síntese da experiência estética e material da cultura contemporânea. Gostaríamos de começar esta entrevista perguntando sobre ele.

Paul Virilio - Nós não percebemos que a história moderna foi escandida, organizada por cinco motores. Primeiro, o motor a vapor, na ocasião de uma revolução da informação e da criação da primeira máquina, ou seja, da máquina que serviu à revolução industrial. Foi o motor a vapor que permitiu o trem e, portanto, a visão do mundo através do trem, a visão em desfile, que já é a visão do cinema. Cada motor modifica o quadro de produção de nossa história e também modifica a percepção e a informação. O segundo motor, o motor de explosão, propiciou o desenvolvimento do automóvel e do avião. Voando, o homem obteve uma informação e uma visão inéditas do mundo: a visão aérea. O motor de explosão possibilitou uma infinidade de máquinas, as máquinas-veículo e também toda uma série de máquinas de produção industrial. O terceiro motor, o elétrico, deu origem à turbina e favoreceu a eletrificação, permitindo, por exemplo, uma visão da cidade à noite. Evidentemente ele favoreceu também o cinema. O cinema é uma arte do motor. Certamente as primeiras máquinas e câmeras foram manuais, mas sabemos que elas foram eletrificadas rapidamente. O desenvolvimento do cinema, que modificou a relação do homem com o mundo, está diretamente relacionado com a invenção do motor elétrico. O quarto motor é o motor-foguete que permitiu ao homem escapar da atração terrestre. Através dele temos os satélites que servem à transmissão do sistema de segurança. Satelizando os homens, ele permitiu a visão da Terra a partir de uma outra terra: a Lua.
Assim, cada motor modificou a informação sobre o mundo e nossa relação com ele. Eu creio que isto nunca foi dito. Nós esquecemos que a arte é sempre uma arte do motor. De uma certa maneira, as artes primitivas eram ligadas ao metabolismo, ou seja, ao pintor, ao escultor etc., mas desde que inventamos a máquina nós inventamos um meio diferente de perceber e de conceber o mundo. O último motor é o motor informático, é o motor à inferência lógica, aquele do software, que vai favorecer a digitalização da imagem e do som, assim como a realidade virtual. Ele vai modificar totalmente a relação com o real, na medida em que permite duplicar a realidade através de uma outra realidade, que é uma realidade imediata, funcionando em tempo real, live. Desse modo, dizer “a arte do motor” significa dizer que toda arte moderna é ligada à invenção de motores: motor à vapor, motor de explosão, motor elétrico, motor-foguete e motor eletrônico.

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